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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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domingo, 15 de novembro de 2015


embalada em discreta melancolia
repito a viagem romântica e fatídica
de george sand e de chopin
ao que parece tal aventura
deu origem ao pouco romântico
turismo em massa no mediterrâneo
chopin olha-me sério e já esverdeado
meio reclinado no seu piano cheio de tosse
sem ligar meia ao sol esplendoroso
e aos jardins feéricos da cartuxa
no centro pujante da ilha.
verdade que no inverno
estas colinas agrestes devem
ser infernais
por muito contemplativos
que sejam os discípulos de
são bruno
os nativos não gostaram do casal.
habituados ao fustigar da tramontana
olhavam aqueles modos libertinos
como prova do desamor
que estava a chegar.
a mulher tinha nome de homem
fumava
e escrevia pela noite dentro
enquanto o homem
gemia e dedilhava infinitamente o piano.
os filhos não eram filhos.
ele parecia uma mulher
ela parecia um homem
nada daquilo era fácil para os pobres maiorquinos
obrigados à escravidão e a venerar os porcos
mas o que mais incomodava
os maiorquinos
era o fulgurante colete amarelo
de george-georgina

Rosa Oliveira
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sexta-feira, 31 de julho de 2015


como foi possível esta longa marcha para a mediania?
o que significa viver dentro de um corpo
de onde a consciência se retirou há muito
esta embalagem vazia?

rodeados de pensamento tóxico
submersos em epifanias da normalidade
estamos numa guerra invisível
desconhecida até hoje da humanidade
sitiados por armas virtuais em destruição imparável

sufocamos sob camadas de managers
designers, adidos, conselheiros, assessores
pequenos soldados de chumbo
reclinados nas dunas da abreviatura
agasalhados na linguagem religiosa
da performance a todo o custo

como nas hordas de lepra medieval
trazemos sinos que anunciam corpos contaminados
lentos, pensativos
suspensos numa mudança de vírgula
reescrevendo sem horário

confiando na oscilação do universo
lançamos toda a fortuna
no princípio da incerteza

alguém sem voz continuava a respirar
entre nuvens de piolhos
afundado na lama

a vaca sagrada do declínio está gorda e descorada
no estábulo ninguém está seguro
uma telha partida
um vidro espetado no ânus
cheiro a despojos humanos entranhado na memória
três gerações de analfabetos com opiniões sobre tudo
de cinco em cinco minutos grunhem o inútil

estamos atados
pelo síndroma locked-in
o estado mais póximo
de ser enterrado
vivo


Rosa Oliveira
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segunda-feira, 29 de junho de 2015


O teu enigma
não é o do espaço vazio
por entre os dedos

O teu enigma
é a nobreza do gesto futuro
quase escondido
nas palavras diurnas

O teu enigma
é líquido
quase como as formas que usas
todas elas
para dizer: inacabado
nunca fechado
na calmaria
da
paisagem.


Rosa Oliveira
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quinta-feira, 18 de junho de 2015


O teu enigma
não é o do espaço vazio
por entre os dedos

O teu enigma
é a nobreza do gesto futuro
quase escondido
nas palavras diurnas

O teu enigma
é líquido
quase como as formas que usas
todas elas
para dizer: inacabado
nunca fechado
na calmaria
da
paisagem.

Rosa Oliveira
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sexta-feira, 20 de março de 2015


atordoados
diante do arroz de favas
nós
pobres criaturas flaubertianas
um pouco imbecis
olhando o prato fumegante
sedentos de prosa alcoólica
e de religião demarcada
esperamos ver finalmente
os fontanários públicos
a mijar na cara dos passantes


Rosa Oliveira
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