________



há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Mostrar mensagens com a etiqueta Andreia C. Faria. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Andreia C. Faria. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

*



À hora em que se lava o chão dos talhos
da bílis que sobra da morte
e no céu se rasgam dores
a que as estrelas hão-de dar cautério, penso
na melancólica carne que despes
diante de mim como um fato de tumulto
Penso na tua pele vertida e no brilho
inverso, nas cores que desbotam
nas montras como alguma
há muito tempo exposta
natureza-morta

Sei que amar-te tem que ver com isto:
O camião atravessando à noite a auto-estrada
com os lívidos espíritos de porcos
que se precipitam na cinta das cidades
A polpa triste de um beijo
a acender o coração, cansado
de ser metáfora

Amar-te tem que ver com esta imagem mansa
do terror, contemplada
à distância e a alguma velocidade. Aproxima-se
da desolação da prosa e não,
como se salvaria o mundo, do fogo do verso


Andreia C. Faria
________________________________________________________________________________________________________________________________


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015



Outro Inverno e estas roupas
estarão gastas
Nada agora é feito para durar
Sê por isso parca na exuberância
e lava à mão
cuecas de cetim e camisolas de angorá

(Não hás-de ter os fundilhos coçados, bambos soutiens
quando alguém vier para te amar)

Se viajas,
pendura o sobretudo pelos ombros ao chegar
(num cabide e não atrás da porta, que o deformas, e à noite
faz pensar
no escalpe abandonado de um gorila)

Mostra-te em público o necessário apenas, e em privado
despe-te e guardas as boas malhas no baú
onde não fizeste enxoval

Lembra-te: é nos punhos da camisa
que se nota o desespero
Pousa os pulsos elementarmente sobre a mesa
e trabalha sem mácula, sem cansaço, como se as mãos
pudessem levitar.


Andreia C. Faria
________________________________________________________________________________________________________________________________