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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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terça-feira, 7 de junho de 2016



Há um livro que nunca chegarás
a ler um livro que te escapou
da mão estava exposto na livraria
mas outra coisa chamou a tua
atenção ou alguém o arrumou
em segunda fila na estante…
Tu não o sabes – como o poderias
saber? – mas esse livro descreve
como e quando vais morrer


Jorge Sousa Braga
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quinta-feira, 15 de outubro de 2015


As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.


Jorge Sousa Braga
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sexta-feira, 11 de setembro de 2015


Lê-me disse ela o poema do
cortador de relva mas eu já
me esquecera do poema
apenas que era de manhã
havia um rasto de erva cortada
de fresco e o cortador de relva
eléctrico no meio do jardim sem que
ninguém conseguisse explicar
como fora ele lá parar


Jorge Sousa Braga
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segunda-feira, 7 de setembro de 2015


Podia escrever o teu nome num vidro embaciado ou
segredá-lo a uma borboleta negra.

Podia cortar os pulsos e deixar o sangue correr até que
o mar ficasse vermelho.

Ou beijar-te os pés. Mas esse gesto está reservado
desde o princípio dos séculos e teria o sabor de uma
profanação.


Jorge Sousa Braga
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quinta-feira, 20 de agosto de 2015


Chamar-te colibri sussurrar-te
Ao ouvido coisas ácidas e ternas
Morder-te no pescoço nos ombros nas nádegas
Sentir a humidade entre as tuas pernas

Selar-te as pálpebras com saliva
Enquanto gritas que me odeias e me amas
As minhas mãos numa roda viva
Entre as tuas nádegas e as tuas mamas

A minha língua a tua língua o meu
Pénis o teu clitóris a minha língua
O teu clitóris o meu pénis a tua língua

De joelhos como se implorasse
Enterrá-lo bem fundo entre as tuas pernas
Deixar que um raio nos trespasse

Jorge Sousa Braga
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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Barragem de Bemposta


As águas que alimentam estas
turbinas não se reconhecem
quando são devolvidas ao leito
do rio Algo da sua essência
navega agora nos cabos de
alta tensão Quase precisam
– essas águas – de serem agora
conduzidas pela mão


Jorge Sousa Braga
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domingo, 12 de julho de 2015


Sou uma erva daninha.
Nem princesa, nem rainha.

Não tenho eira nem beira.
Nem ninguém que me queira.

Comigo ninguém se importa.
Todos me querem ver morta.

Sei que sou amaldiçoada.
porque não sirvo pra nada.

Mas a culpa não é minha,
de ser uma erva daninha.

Inventaram o herbicida,
pra me complicar a vida.

Mas isto não fica assim.
Vamos ver quem ri por fim.

Nem princesa nem rainha.
Sou uma erva daninha.


Jorge Sousa Braga
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quarta-feira, 1 de julho de 2015


Vinha meio nu
Trazia uma cesta de vime cheia de amoras
que colhera nas margens do rio
Passara a tarde toda de silvado em silvado
Na sua mão direita um pequeno arranhão
- Tão quente tão quente
esse verão


Jorge Sousa Braga
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quarta-feira, 29 de abril de 2015


Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse
oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de
África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de
rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do
Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada
de ressentimentos
um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca


Jorge Sousa Braga
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domingo, 22 de março de 2015


Acabei agora de comer
um campo de tulipas
Não sei o que fazer
com tanta beleza nas tripas


Jorge Sousa Braga
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