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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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domingo, 15 de março de 2015


Santo António
procurai para mim a carteira perdida,
vós que estais desafadigado,
gozando junto de Deus a recompensa dos justos.
Estão nela a paga do meu trabalho por um mês,
documentos e um retrato
onde apareço cansada, com uma cara
que ninguém olhará mais de uma vez
a não ser vós, que já em vida
vos apiedáveis dos tormentos humanos:
sumiu a agulha da bordadeira,
sumiu o namorado,
o navio no alto-mar,
sumiu o dinheiro no ar.
Tenho que comprar coisas, pagar contas,
dívidas de existir neste planeta convulso.
Prometo-vos uma vela de cera,
um terço do meu salário
e outro que rezarei
pra entoar vossos louvores, ó Martelo dos Hereges,
cuja língua restou fresca
entre vossos ossos intacta.
Servo do Senhor, procurai para mim a carteira perdida
e, se tal aprouver a Deus para a salvação da minha alma,
procurai antes me ensinar
a viver como vós,
como um pobre de Deus,
Amen!


Adélia Prado
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quarta-feira, 19 de março de 2014

Amor pra mim é ser capaz de permitir
que aquele que eu amo exista como tal,
como ele mesmo.
Isso é o mais pleno amor.
Dar a liberdade dele existir
ao meu lado
do jeito que ele é.

Adélia Prado
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sábado, 6 de abril de 2013

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado
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