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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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quarta-feira, 26 de julho de 2017



Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar...


Egito Gonçalves
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terça-feira, 20 de junho de 2017



Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.


Egito Gonçalves
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017



Um rosto de mulher
é o meio que o coração encontra
para manter a sua sede.

Um chá, uma flor, uma paisagem,

uma romã aberta,

desaparecem na sombra
se não houver um rosto de permeio.

Não te queixes
do que supões ausência. Por agora
és tu que manténs o movimento.

Sem isso
nem o coração mais pulsaria.


Egito Gonçalves
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segunda-feira, 28 de abril de 2014


Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranquila.

Egito Gonçalves
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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Difícil é esperar
quando nada sabemos
nada haver a esperar.
O eco de uma lágrima não basta
para dar vento à sementeira

Egito Gonçalves
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segunda-feira, 9 de setembro de 2013


Nunca encontrámos
o lugar onde o amor se forma.
Tentámos, aceitando os desencontros.
dançámos em torno,
arrepiámos uma breve carícia,
separámo-nos
sem descobrir o que haveria a descobrir,
o que haveria a atravessar:
uma montanha, um túnel,
ou mina ou arco
de uma ponte.
Agora contemplo uma cama
vazia
flutuando numa barragem
longe do luar
que poderíamos ser.
Muitas coisas se partilharam,
as palavras não eram pedras,
o vento alguma vez
nos juntou os cabelos.
Nunca encontrámos
o lugar onde o amor se arma
Foram pedaços de muita coisa:
quando os queria colar
sempre algum era arrastado pela chuva,
sempre algum se perdia em lençóis de sombra.
A imagem de cada um de nós
nunca foi suficiente
para criar no outro o relâmpago,
o pássaro ígneo, delirante.
Nunca encontrámos
o percurso das águas,
o lugar onde o amor se firma.
Egito Gonçalves
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