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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016





Sou um criado, mas não há trabalho para mim. Sou medroso e não me ponho em evidência; nem sequer me coloco em fila com os outros, mas isto é apenas uma das causas de minha falta de ocupação; também é possível que minha falta de ocupação nada tenha a ver com isso; o mais importante é, em todo caso, que não sou chamado a prestar serviço; outros foram chamados e não fizeram mais gestões que eu; e talvez nem mesmo tenham tido alguma vez o desejo de serem chamados, enquanto que eu o senti, às vezes, muito intensamente. Assim permaneço, pois, no catre, no quarto de criados, o olhar fixo nas vigas do teto, durmo, desperto e, em seguida, torno a adormecer. Às vezes cruzo até a taberna onde servem cerveja azeda; algumas vezes por desfastio emborquei um copo, mas depois volto a beber. Gosto de sentar-me ali por que, atrás da pequena janela fechada e sem que ninguém me descubra, posso olhar as janelas de nossa casa. Não se vê grande coisa; sobre a rua, dão, segundo creio, apenas as janelas dos corredores, e além do mais, não daqueles que conduzem aos aposentos dos senhores; é possível também que eu me engane; alguém o sustentou certa vez, sem que eu lhe perguntasse, e a impressão geral da fachada o confirma. Apenas de vez em quando são abertas as janelas, e quando isso acontece, o faz um criado, o qual, então, se inclina também sobre o parapeito para olhar para baixo um instantinho. São, pois, corredores onde não se pode ser surpreendido. Além do mais não conheço esses criados; os que são ocupados permanentemente na parte de cima, dormem em outro lugar; não em meu quarto. Uma vez, ao chegar à hospedaria, um hóspede ocupava já o meu posto de observação; não me atrevi a olhar diretamente para onde estava e quis voltar-me na porta para sair em seguida. Mas o hóspede me chamou e, assim, então, percebi que era também um criado ao qual eu tinha visto alguma vez e em alguma parte, embora sem ter falado nunca com ele até aquele dia.
_ Por que queres fugir? Senta-te aqui e bebe. Eu pago.
Sentei-me, pois. Perguntou-me algo, mas não pude responder-lhe; não compreendia sequer as perguntas. Pelo menos eu disse:
_ Talvez agora te aborreça o facto de ter-me convidado. Vou-me, pois.
E quis erguer-me. Mas ele estendeu a mão por cima da mesa e me manteve em meu lugar.
_ Fica-te!,disse. Isto era somente um exame. Aquele que não respondesse às perguntas está aprovado no exame.


Franz Kafka
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quarta-feira, 19 de agosto de 2015



Ordenei que tirassem meu cavalo da estrebaria. O criado não me entendeu. Fui pessoalmente à estrebaria, selei o cavalo e montei-o. Ouvi soar à distância uma trompa, perguntei-lhe o que aquilo significava. Ele não sabia de nada e não havia escutado nada. Perto do portão ele me deteve e perguntou:
– Para onde cavalga senhor?
– Não sei direito – eu disse –, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
– Conhece então o seu objetivo? – perguntou ele.
– Sim – respondi – Eu já disse: “fora-daqui”, é esse o meu objetivo.
– O senhor não leva provisões – disse ele.
– Não preciso de nenhuma – disse eu. – A viagem é tão longa que tenho de morrer de fome se não receber nada no caminho. Nenhuma provisão pode me salvar. Por sorte esta viagem é realmente imensa.

Franz Kafka
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