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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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terça-feira, 7 de março de 2017



Abre a romã, mostrando a rubicunda
Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;
Entre os braços do ulmeiro está a jocunda
Vide, com uns cachos roxos e outros verdes;
E vós, se na vossa árvore fecunda,
Peras piramidais, viver quiserdes,
Entregai-vos ao dano, que, com os bicos,
Em vós fazem os pássaros inicos.


Luís de Camões
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quinta-feira, 12 de novembro de 2015


Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa a qual natural seja,
Que não queira perpétuo seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Porque não falte nunca onde sobeja.

Mas este puro afeito em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento (pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre [e] humana)
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.


Luís de Camões
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terça-feira, 10 de novembro de 2015


Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o sol deseja.

Não me pode tolher, que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso,
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lírios tendes numa e noutra face.
Ditoso quem os vir, mas mais ditoso,
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!


Luís de Camões
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quinta-feira, 9 de julho de 2015


Pode um desejo imenso
arder no peito tanto
que à branda e à viva alma o fogo intenso
lhe gaste as nódoas do terreno manto,
e purifique em tanta alteza o esprito
com olhos imortais
que faz que leia mais do que vê escrito.

Que a flama que se acende
alto tanto alumia
que, se o nobre desejo ao bem se estende
que nunca viu, a sente claro dia;
e lá vê do que busca o natural,
a graça, a viva cor,
noutra espécie milhor que a corporal.

Pois vós, ó claro exemplo
de viva fermosura,
que de tão longe cá noto e contemplo
n’alma, que este desejo sobe e apura;
não creais que não vejo aquela imagem
que as gentes nunca vêem,
se de humanos não têm muita ventagem.

Que, se os olhos ausentes
não vêem a compassada
proporção, que das cores excelentes
de pureza e vergonha é variada;
da qual a Poesia, que cantou
até ‘qui só pinturas,
com mortais fermosuras igualou;

se não vêem os cabelos
que o vulgo chama de ouro,
e se não vêem os claros olhos belos,
de quem cantam que são do Sol tesouro,
e se não vêem do rosto as excelências,
a quem dirão que deve
rosa, cristal e neve as aparências;

vêem logo a graça pura,
a luz alta e severa,
que é raio da divina fermosura
que n’alma imprime e fora reverbera,
assi como cristal do Sol ferido,
que por fora derrama
a recebida flama, esclarecido.

E vêem a gravidade
com a viva alegria,
que misturada tem, de qualidade
que ūa da outra nunca se desvia; nem deixa ūa de ser arreceada,
por leda e por suave,
nem outra, por ser grave, muito amada.

E vêem do honesto siso
os altos resplandores,
temperados co doce e ledo riso,
a cujo abrir abrem no campo as flores;
as palavras discretas e suaves,
das quais o movimento
fará deter o vento e as altas aves;

dos olhos o virar,
que torna tudo raso,
do qual não sabe o engenho divisar
se foi por artifício, ou feito acaso;
da presença os meneios e a postura,
o andar e o mover-se,
donde pode aprender-se fermosura.

Aquele não sei quê,
que aspira não sei como,
que, invisível saindo, a vista o vê,
mas para o compreender não acha tomo;
o qual toda a Toscana poesia,
que mais Febo restaura,
em Beatriz nem em Laura nunca via;

em vos a nossa idade,
Senhora, o pode ver,
se engenho e ciência e habilidade
igual à fermosura vossa der,
como eu vi no meu longo apartamento,
qual em ausência a vejo.
Tais asas dá o desejo ao pensamento!

Pois se o desejo afina
ūa alma acesa tanto
que por vós use as partes da divina,
por vós levantarei não visto canto,
que o Bétis me ouça, e o Tibre me levante;
que o nosso claro Tejo
envolto um pouco vejo e dissonante.

O campo não o esmaltam
flores, mas só abrolhos
o fazem feio; e cuido que lhe faltam
ouvidos para mim, para vós olhos.
Mas faça o que quiser o vil costume;
que o sol, que em vós está,
na escuridão dará mais claro lume.


Luís de Camões
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sexta-feira, 3 de abril de 2015


Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.


Luis de Camões
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sexta-feira, 27 de junho de 2014


A formusura desta fresca serra,
É a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim tudo o que a rar natureza
Com tanta variedade, nos ofrece,
Me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.

Luís de Camões
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segunda-feira, 19 de maio de 2014


Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Luís de Camões
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