________



há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Mostrar mensagens com a etiqueta Charles Baudelaire. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Charles Baudelaire. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 7 de julho de 2016



Sob alguns teixos que os abrigam
Lá estão os mochos, enfileiram;
Tal como os deuses estrangeiros,
Dardejam o rubro olhar. Meditam.

Sem se mexer lá ficarão
Até à hora melancólica
Em que, empurrando o oblíquo sol,
As trevas se estabelecerão.

Essa atitude ensina ao sábio
Que neste mundo há que temer
Todo o tumulto e movimento;

O ébrio das sombras que passam
Arrastará sempre o castigo
De outro lugar ter pretendido.


Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________


quinta-feira, 23 de junho de 2016



Os férvidos amantes e os austeros sábios
Na idade madura, ambos sabem amar
Os gatos fortes, meigos, orgulho do lar,
Que, tal como eles, são friorentos, sedentários.

Amigos da volúpia e também da ciência,
Procuram o horror das trevas, o silêncio;
E tê-los-ia o Érebo por corcéis fúnebres
Se um dia à servidão dobrassem o orgulho.

Adoptam ao sonhar as nobres atitudes
Das esfinges deitadas nos confins do mundo,
Parecendo adormecer no seu sonho sem fim;

Há mágicas centelhas nos seus rins fecundos
E alguns farrapos de oiro, alguma areia fina,
Estrelando vagamente as místicas pupilas.


Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________


terça-feira, 14 de junho de 2016



O erro, a mesquinhez, o pecado, a tolice,
Excitam-nos o corpo e ocupam-nos o espírito,
Mas sempre alimentamos remorsos felizes
Como os mendigos fazem aos seus parasitas.

Com pecados teimosos e remissões frouxas,
As nossa confissões largamente cobramos,
E ao caminho da lama, contentes, voltamos,
Crendo com choros vis lavar as nódoas todas.

Na almofada do mal está Satã Trimegisto
Que embala devagar a nossa alma encantada
E até o metal rico da nossa vontade
Vai sendo evaporado por esse alquimista.

Os cordéis que nos puxam, prende-os o Diabo!
Vemos que nos atraem as coisas nojentas;
Sem horror, através das trevas fedorentas,
Ao Inferno descemos, cada dia um passo.

Como um devasso pobre que devora e beija
O seio encarquilhado da velha rameira,
Colhemos, ao passar, clandestino prazer
Que como uma laranja moída esprememos.

Como um milhão de vermes, nas nossas cabeças
Enche-se até fartar um povo de Demónios,
E quando respiramos desce-nos a Morte
Aos pulmões, como um rio de surdos lamentos.

Se o estupro ou o veneno, o incêndio, o punhal
Ainda não enfeitaram com desenhos lindos
A banal talagarça dos nossos destinos,
É porque não mostrou arrojo a nossa alma.

Mas no meio de chacais, panteras ou cadelas,
Escorpiões ou macacos, serpentes, abutres,
Monstros que grasnam, rosnam, rastejam e uivam,
Por entre os nossos vícios, galeria abjecta,

Existe um bem mais feio, mais cruel, imundo!
Que, mesmo recusando gestos ou clamores,
Facilmente faria da terra um destroço
E num simples bocejo engoliria o mundo;

É o Tédio! - Com o olhar chorando sem razão,
Vai fumando o cachimbo e sonha cadafalsos.
Conheces bem, leitor, tal monstro delicado,
- Hipócrita leitor, - meu igual, - meu irmão!


Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________


sexta-feira, 3 de junho de 2016



A rua ensurdecedora em meu redor berrava
Alta, esguia, de luto carregado, dor majestosa,
Um mulher passou, com sua mão faustosa
Erguendo, baloiçando o ramo e a bainha

Ágil e nobre, com sua perna de estátua,
Eu bebia, crispado como extravagante,
No seu olhar, céu lívido onde nasce o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata

Um raio… em seguida, a noite! __ Beleza fugitiva
Cujo olhar me fez repentinamente renascer,
Só voltarei a ver-te na eternidade?

Algures, bem longe daqui! Demasiado tarde! Nunca talvez!
Eu não sei para onde fugiste, tu não sabes para onde vou,
Tu que eu teria amado, tu que sabias que sim!


Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________


segunda-feira, 18 de agosto de 2014


Ao vê-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles répteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno de uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
Insensível à dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos têem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo é fulgor, ouro, metais, diamantes
Vê-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade

Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________

sexta-feira, 25 de julho de 2014


A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

Charles Baudelaire
________________________________________________________________________________________________________________________________