Agora ela está no filme dentro do sonho: da esquerda vem
caminhando por entre as aves que no claro céu escrevem
verdes palavras novas e a vão de si mesma separando
para de novo à frente a reunirem e novamente a dividirem.
Como se ela fosse as sílabas separadas do seu nome nascendo:
fotografias sucessivas, algumas já perdidas, ou roubadas.
Quando chega ao fim do ecrã, à direita, o plano muda;
e ela vem agora em sentido contrário escandindo as luzes
do inverno numa rua nocturna dos subúrbios de uma cidade
onde nunca estiveste. Confundes o seu com outros vultos
e não sabes se é ela que foge ou se é ela quem distribui
a ameaça ou a elegância infinita de quem se perdeu.
Com as mãos empurra a fronteira da cena até que aparece
uma praia já por novembro dentro por onde vagarosa vem
mas triste não; rindo de qualquer coisa sem razão e sem som.
Subitamente parece interromper a travessia ao longo do ecrã
e olha para o sonhador que dentro do filme sonha a vida verdadeira,
É então que a luz a extingue e abre ao centro uma flor de fogo.
O plano muda outra vez. Ela reaparece vinda da direita; vem
andante; transporta consigo a luz e a sombra intermitentes; ela
é a sua própria declinação ela distribui o fluxo e refluxo
das imagens do mundo. A luz que ela decompõe e concentra
começa a queimar as margens do filme, as fronteiras do sonho.
Ela volta para trás no verso como se subisse até à nascença doo canto
Manuel de Gusmão
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