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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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terça-feira, 4 de abril de 2017



I
Já não é mágico o mundo. Deixaram-te.
A clara lua não compartirás
Nem os lentos jardins. Lua não há
Que não seja espelho dos que passaram,
Cristal de solidão, sol de agonias.
Adeus às mútuas mãos e às latejantes
Fontes que aproximava o amor. Restantes,
A memória fiel, desertos dias.
Ninguém perde (tu repetes baldamente)
Senão o que não tem, sem nunca ter,
Mas não basta, somente, ser valente
Para aprender a arte de esquecer.
Um símbolo, uma rosa te desgarra
E pode te matar uma guitarra.
II
Já não serei feliz. Mas tanto faz.
Há tantas outras coisas neste mundo;
Um instante qualquer é mais profundo,
Diverso que o mar. A vida, fugaz,
E embora as horas passem devagar,
Obscura maravilha nos expecta,
A morte, esse outro mar, essa outra seta
Que do sol nos libera e do luar
E do amor. A alegria que me doaste
E me tiraste, que seja apagada;
O que era tudo se transforme em nada.
O gozo de estar triste só me baste,
Este costume vão que a mim inclina
Ao Sul, a certa porta, a certa esquina.


Jorge Luis Borges
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domingo, 10 de janeiro de 2016



Como quem percorre uma costa
maravilhado com a abundância do mar,
recompensado pela luz e pelo pródigo espaço,
eu fui o espectador da tua beleza
durante um longo dia.
Despedimo-nos ao anoitecer
e em gradual solidão
ao voltar pela rua cujos rostos ainda te conhecem,
a minha felicidade ensombrou-se, pensando
que de tão nobre acervo de memórias
iriam perdurar escassamente uma ou duas
para decoro da alma
na imortalidade do seu rumo.

Jorge Luís Borges
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sábado, 12 de dezembro de 2015



O homem se desperta de um incerto
Sonho de espadas e de campo plano
E se toca a barba com a mão
e se pergunta se está ferido ou morto.
Não o perseguirão os feiticeiros
que hão jurado seu mal baixo a lua?
Nada. Apenas o frio. Apenas uma
Doença dos seus anos postreiros.
O fidalgo foi um sonho de Cervantes
e don Quixote um sonho do fidalgo.
O duplo sonho os confunde e algo
está passando que aconteceu muito antes.
Quijano dorme sonha. Uma batalha:
Os mares de Lepanto e a metralha.

Jorge Luís Borges
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quarta-feira, 15 de abril de 2015




Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido,
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

Jorge Luís Borges
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