________



há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Mostrar mensagens com a etiqueta Almeida Garrett. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Almeida Garrett. Mostrar todas as mensagens

sábado, 21 de outubro de 2017



Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
- Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.

Dói-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida - ou a razão.


Almeida Garret
________________________________________________________________________________________________________________________________


quinta-feira, 31 de dezembro de 2015



Vai-te, ano velho, vai-te, e nunca volvas
Dos séculos no giro;
Sumido sejas tu nas profundezas
Da imensidão do nada,
Ano parvo e poltrão, chocho e sem préstimo,
Inútil como um cônego.
Quem fez caso de ti? Nem praguejado,
Nem bendito morreste,
Sem deixares legado ou testamento
À deserdada história.
Foram teus dias, dias de rotina,
Como as lições sabidas
Da ensebada, suja caderneta
De um lente de Coimbra;
Tuas horas, as horas marianas
De velha abadessona
Que há quarenta anos tem no mesmo sítio
O babado registo
Do santo favorito. – Vai-te, some-te,
Carunchoso ano velho;
Trague-te o olvido inteiro; mais memória
De ti não fica à terra
Do que deixa um abade de Bernardos,
Da Academia um sócio.

Almeida Garrett
________________________________________________________________________________________________________________________________


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015



Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.

Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso?
- Não; só formosura.

Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama!
- O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:

É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.

Almeida Garrett
________________________________________________________________________________________________________________________________


sábado, 11 de abril de 2015


Creio em ti, Deus; a fé viva
De minha alma a ti se eleva.
És: - o que és não sei. De
Meu ser do teu: luz... e treva,
Em que - indistintas! - se envolve
Este espírito agitado,
De ti vêm, a ti devolve.
O Nada, a que foi roubado Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive do eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.
Beleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nu
Do homem não vê na terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! a real beleza,
O puro amor - o prazer
Que não fatiga e não gasta...
Só por ti os pode ver
O que, inspirado, se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm. Eu, consagrado
A teu altar, me prostro e a combatida
Existência aqui ponho, aqui votado
Fica este livro - confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só spera.


Almeida Garrett
________________________________________________________________________________________________________________________________