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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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terça-feira, 19 de abril de 2016



A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...


Rainer Maria Rilke
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015


Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tornam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anônimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha ereto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é: ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.


Rainer Maria Rilke
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sábado, 31 de janeiro de 2015


Quem quer que sejas – ao cair do dia
sai do quarto, onde nada há que não vejas;
antes do longe, a casa é a última vigia:
quem quer que sejas.
Mal consegues que teus olhos cansados
se libertem da soleira já gasta;
com eles ergues, negra, esguia, em alongados
gestos contra o céu, a árvore: e a si se basta.
Fizeste o mundo. E ele é grande, lembrando
uma palavra que, muda, amadurece.
A tua vontade entende-o. Mas já esses
teus olhos docemente o vão deixando...


Rainer Maria Rilke
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terça-feira, 20 de janeiro de 2015


Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? Como hei-de
elevá-la acima de ti, até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
Oh, doce canção.


Rainer Maria Rilke
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014


Caminhos que, entre dois prados,
levam a lado nenhum,
dir-se-ia que com arte
do seu fim desviados,

caminhos que tantas vezes têm
diante de si apenas
o puro espaço
e o tempo que faz.


Rainer Marie Rilke
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quinta-feira, 29 de maio de 2014


Eu queria cantar para dentro de alguém,
sentar-me junto de alguém e estar aí.
Eu queria embalar-te e cantar-te mansamente
e acompanhar-te ao despertares e ao adormeceres.
Queria ser o único na casa
a saber: a noite estava fria.
E queria escutar dentro e fora
de ti, do mundo, da floresta.
Os relógios chamam-se anunciando as horas
e vê-se o fundo o tempo.
E em baixo ainda passa um estranho
e acirra um cão desconhecido.
Depois regressa o silêncio. Os meus olhos,
muito abertos, pousaram em ti;
e prendem-te docemente e libertam-te
quando algo se move na escuridão.

Rainer Maria Rilke
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terça-feira, 15 de abril de 2014

Tenho maneiras diferentes de me ocupar
quando não consigo dormir.
Lembro-me, por exemplo, de um rio
onde costumava pescar quando era pequeno
e então pesco nele outra vez
ao longo de todo o seu curso,
pesco em imaginação, com enorme cautela,
debaixo de todos os troncos
em todos os desvios das margens;
chego a inventar rios.
Há noites em que não consigo pescar
e digo e repito muitas vezes as minha orações
e tento rezar por todas as pessoas que conheci.
Isto leva muito tempo,
porque se uma pessoa se lembra de todas as pessoas que conheceu
e se reza por todas um Pai Nosso e uma Avé Maria,
leva muito tempo;
e quando não me posso lembrar de mais nada,
limito-me a escutar.

 
Rainer Maria Rilke
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