________



há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Mostrar mensagens com a etiqueta Octavio Paz. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Octavio Paz. Mostrar todas as mensagens

sábado, 12 de agosto de 2017



Num poema leio:
“conversar é divino.“
Porém, os deuses não falam:
Fazem e desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito desce
e desata as línguas,
porém não fala palavras:
fala lume. A linguagem,
pelos deuses acesa,
é uma profecia
de chamas e uma torre
de fumo e um colapso
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem,
os nomes que dizemos,
dizem tempo: dizem-nos.
Somos nomes do tempo.

Mudos também os mortos
pronunciam as palavras
que nós, os vivos, dizemos.
A linguagem é a casa
de todos, a casa suspensa
no flanco do abismo.
Conversar é humano.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________


sábado, 22 de julho de 2017



Es una calle larga y silenciosa.
Ando en tinieblas y tropiezo y caigo
y me levanto y piso con pies ciegos
las piedras mudas y las hojas secas
y alguien detrás de mí también las pisa:
si me detengo, se detiene;
si corro, corre. Vuelvo el rostro: nadie.
Todo está oscuro y sin salida,
y doy vueltas y vueltas en esquinas
que dan siempre a la calle
donde nadie me espera ni me sigue,
donde yo sigo a un hombre que tropieza
y se levanta y dice al verme: nadie.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________


terça-feira, 28 de março de 2017



e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________


terça-feira, 29 de setembro de 2015


Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

sábado, 15 de agosto de 2015


La historia es el error.
La verdad es aquello,
más allá de las fechas,
más acá de los nombres,
que la historia desdeña:
el cada día
— latido anónimo de todos,
latido
único de cada uno —,
el irrepetible
cada día idéntico a todos los días.
La verdad
es el fondo del tiempo sin historia.
El peso
del instante que no pesa...

Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

segunda-feira, 27 de julho de 2015


A noite de olhos de cavalo que tremem na noite
a noite de olhos de água no campo adormecido,
está nos teus olhos de cavalo que treme,
está nos teus olhos de água secreta.

Olhos de água de sombra,
olhos de água de fonte,
olhos de água de sonho.

O silêncio e a solidão,
como dois animais pequenos que a lua guia,
bebem nesses olhos,
bebem nessas águas.

Se abres os olhos,
abre-se a noite de portas de musgo,
abre-se o reino secreto da água
que emana do centro da noite.

E se os fechas,
um rio, uma corrente doce e silenciosa,
inunda-te por dentro, avança, torna-te obscuro:
a noite molha margens na tua alma.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

sexta-feira, 10 de abril de 2015


Relâmpagos ou peixes
na noite do mar
e pássaros, relâmpagos
na noite do bosque.

Os ossos são relâmpagos
na noite do corpo.
Ó mundo, tudo é noite
e a vida um relâmpago.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
                      duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015


Ao começar a manhã
num mundo bem plantado
cada coisa é ela própria.

Quietude da labareda
desta rosa que se abre
lá entre os braços do ar.

E quietude da pomba
chegada de não sei onde,
plumas brancas e olhos rápidos.

Frente a frente, perto e longe,
a rosa a despentear-se,
a pomba que alisa as penas.

O vento não possui corpo
e atravessa as ramagens:
tudo muda e nada fica.

A rosa tem duas asas,
faz ninho numa cornija
sobre a vertigem pousada.

A pomba é flor e é chama,
perfeição que se desfolha
e em seu olor ressuscita.

O diferente é já o mesmo.




Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________

domingo, 1 de fevereiro de 2015


Num poema leio:
“conversar é divino.“
Porém, os deuses não falam:
Fazem e desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito desce
e desata as línguas,
porém não fala palavras:
fala lume. A linguagem,
pelos deuses acesa,
é uma profecia
de chamas e uma torre
de fumo e um colapso
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem,
os nomes que dizemos,
dizem tempo: dizem-nos.
Somos nomes do tempo.

Mudos também os mortos
pronunciam as palavras
que nós, os vivos, dizemos.
A linguagem é a casa
de todos, a casa suspensa
no flanco do abismo.
Conversar é humano.


Octavio Paz
________________________________________________________________________________________________________________________________