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há o perigo de um grito lindíssimo

quando andas assim comigo no invisível




Mário Cesariny

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sexta-feira, 6 de novembro de 2015


Queria centrar-me todo em certas palavras, ocupar o espaço
sem necessidade de coordenadas, errar o tempo
tomando-o por tempos que nunca existiram. Desejaria a sorte
dos que morreram em naufrágios e foram poupados
à habitação dos cemitérios. Nunca tive jeito para ser feliz
[nem para gritar] e pior que isso: condenado à efémera
duração dos sonhos [bastava a poesia para condenar-me]
Talvez Deus se tenha enganado: sobre o barro soprou a vida
em vez do sonho.

Nuno Higino
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domingo, 2 de agosto de 2015


Se eu tivesse segura a eternidade [como tenho as contas diárias
para pagar] renunciaria aos livros que ainda tenho para ler.
Nem poria os óculos que me tonteiam a realidade. Nem
ouviria o Peter Grimes que agora oiço -que me interessaria
o bramir da música contra os rochedos da poesia?
Se eu tivesse segura a eternidade [como a geada que esta manhã
me gelou os olhos] deixava-me dormir o dia inteiro
com os deuses da pátria a cavalgar nos sonhos. Talvez
inventasse um planalto qualquer, com uma pedra em forma
de destino e sentado esperasse os animais de Zaratustra
no seu aparecer alto e circular

Nuno Higino
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terça-feira, 30 de junho de 2015


Queria centrar-me todo em certas palavras, ocupar o espaço
sem necessidade de coordenadas, errar o tempo
tomando-o por tempos que nunca existiram. Desejaria a sorte
dos que morreram em naufrágios e foram poupados
à habitação dos cemitérios. Nunca tive jeito para ser feliz
[nem para gritar] e pior que isso: condenado à efémera
duração dos sonhos [bastava a poesia para condenar-me]
Talvez Deus se tenha enganado: sobre o barro soprou a vida
em vez do sonho.

Nuno Higino
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sexta-feira, 22 de maio de 2015


As mães sobem uma escada até ao céu,
sobem e descem a escada longa dos filhos;
as mães olham para cima, firmam as mãos na escada
e pensam com os olhos. Ficam de pé ―morrem de pé
se for preciso― a pensar as estrelas. Cada uma delas
é um pulmão jovem, um alvéolo inviolável.
As mães crescem com os anos, tornam-se ramos
a baloiçar na escada: são perenes, persistentes
e mansas. As mães abrigam os pássaros no olhar,
tomam-nos nas mãos como oferta sagrada
e soltam-nos do alto da escada: voam, voam,
crescem contra as nuvens e são água, espuma,
exílio azul. Os filhos são os olhos das mães, aflitos
e saudáveis, à espera que floresça a flor fria
da amendoeira. Olhos que partem para regressar a si.


Nuno Higino
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terça-feira, 17 de março de 2015


Tenho uma porção de tristeza para a minha
sobrevivência. Quero-me sozinho com ela: quando
ouço passos dentro da minha tristeza escondo-me,
não posso reparti-la nem expô-la, não posso
acrescentá-la nem diminui-la. A porção de tristeza
que tenho em mim é a medida da minha vida. Sou
do tamanho da minha tristeza, nem maior nem
mais pequeno, sou do tamanho exacto da minha
tristeza. Sou humano porque sou triste, sou triste
porque sou humano. Sobrevivo na minha tristeza
e por isso amo e invento. Sou uma sombra triste
junto duma árvore solitária.

Nuno Higino
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sábado, 14 de março de 2015


O silêncio sempre deixa saudade
A saudade é uma porta por onde se vê o mar
O mar é o baloiço que vai e vem nos olhos
do poeta
O poeta sempre mora na alma que há no vento
O vento é o mensageiro que leva e traz nas
crinas os segredos
Os segredos são a arca onde o esquecimento
tem guardados seus tesouros
Os tesouros são azuis, tão azuis, tão azuis como os
olhos da ilusão
A ilusão é jamais perder de vista a luz dos
pombos a pique nos telhados
os telhados são bandeiras às vezes alegres
ou tristes sobre as praças
as praças se denudam como mulheres
esculpidas entre as dunas
as dunas reconhecem a voz do sal ao sol do
meio-dia
o meio dia dança ao som de silvos, de vozes e sirenes
as sirenes são sereias alucinadas e hirtas
sobre o caos
o caos, já vencido, se entregou quase à hora
do sol-pôr
o sol-pôr é uma montanha onde crescem
enigmas e fantasmas
os fantasmas se insinuam entre as pedras,
as árvores, as estrelas
as estrelas às vezes descem aos ombros
surrados do mendigo
o mendigo se dissipa entre os latidos
cerrados do degredo
o degredo é tão antigo como a distância obscura do destino
o destino é uma cobra enroscada e ferida na cabeça
a cabeça é um romeiro que não tem fé na mão de nenhum santo
o santo mora na ermida guardada de
ciprestes e silêncio

o silêncio deixa sempre saudade.
Nuno Higino
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